terça-feira, 15 de setembro de 2009
a sombra do belo
ano após ano
na mesma estação
a pele do animal
se soltava
dando lugar a uma nova
e embora o destino tivesse lhe imposto
ser o homem mais feio
de toda a terra
contemplava a vida
com os olhos de mistério
o santuário dos deuses para ele nunca existiu
não tinha pressa
por viver nem por morrer
e organizava o tempo
de maneira nada convencional
sabia não poder violar os intuitos da natureza
sem que essa natureza se recuasse
para dentro de si mesma
vivia ele próprio nas profundezas
certo dia as aves que voavam mais alto que de costume
acabaram por perder sua voz
a fera seguia melancólica e solitária
dissipando o silencio por todos os espaços
o sol derramava suas vísceras sobre a terra
e a raposa que atravessara o rio
não havia se dado conta
que sua cauda ainda estava molhada
do topo da montanha em que vivia
virou-se de costas para a carranca do abismo
e olhou para si mesmo:
“meu deus, como sou feio!...”
o choque foi seguido de riso
mas seu futuro
estava impresso na própria sombra
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